segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Arqueologia Forense no Brasil

ARQUEOLOGIA FORENSE
SILVA, S. F S. M.

Introdução

A Arqueologia forense é um ramo da Arqueologia voltado à resolução de problemas surgidos durante atividades da polícia judiciária e no decorrer dos procedimentos legais em instâncias forenses. Pode ser compreendida sob dois aspectos básicos, pois: a) emprega métodos e técnicas da arqueologia tradicional para resolver problemas forenses derivados de causalidades penais distintas, como homicídios, acidentes, suicídios, catástrofes, no presente (Hunter, 1996; Connor, 2007; Dupras et al, 2006; Hunter, Cox, 2005; Ubelaker, Blau, 2007) e b) emprega métodos e técnicas das ciências forenses para resolver problemas arqueológicos tradicionais relacionados aos casos de homicídios, suicídios, acidentes, catástrofes e outros relacionados à violência humana no passado.
Trata-se de uma disciplina científica recente, subordinada à Antropologia Forense (EUA, América do Sul, Portugal) ou independente (Inglaterra), que emprega métodos e técnicas da arqueologia tradicional para solucionar casos criminais no presente. Trata-se de um aparato técnico-operacional para os exames perinecroscópicos, do local e do cadáver no local. Tem sido aplicada, comumente, em locais inidôneos de homicídios, suicídios, acidentes ou catástrofes, com presença de cadáveres que passaram por processos transformativos destrutivos ou conservadores.
Na América do Sul, a Antropologia Forense está representada pelas atividades da Asociación Latinoamericana de Antropología Forense (ALAF), uma associação civil, sem fins lucrativos, voltada ao estabelecimento de critérios profissionais e éticos para a Antropologia Forense, promover a oficialização do uso da Antropologia e da Arqueologia Forenses na América Latina e promover o credenciamento dos profissionais em Antropologia Forense por meio da criação de um diretório independente, promover encontros e congressos de Antropologia Forense; a Equipo Argentina de Antropología Forense (EAAF); a Fundación de Antropología Forense de Guatemala (FAFG); a Equipo Peruano de Antropología Forense (EPAF); o Centro de Análisis Forense y Ciencias Aplicadas (CAFCA), na Guatemala; a Oficina de Derechos Humanos del Arzobispado da Guatemala, Equipo Forense (ODHAG) e a Asociación Colombiana de Antropología Forense (ACAF). Todas são financiadoras da ALAF e surgiram em meados das décadas de 1980 e 1990. Nesse contexto, a Arqueologia Forense existe subordinada à Antropologia Forense. É parte, seção de tanatologia e arqueologia, ou seção de arqueologia forense, enfim, uma área correlata à Antropologia e à Medicina Legal, preocupada com a localização, documentação e recuperação de remanescentes humanos esqueletizados ou degradados, em subsuperfície ou superfície, resultantes de causalidades penais e agentes lesivos diversos.
A Arqueologia tradicional ou especificamente produzida nas universidades e centros de pesquisa trabalha com princípios básicos, como a estratificação, superposição e a fragmentação, relacionados aos objetos de cultura material inumados (artefatos, ecofatos) e os métodos e técnicas de campo e de laboratório viáveis para o seu estudo.

Uma vertente da arqueologia forense desenvolveu-se nos EUA e Inglaterra entre 1970 e 1990 em decorrência de solicitações de agências policiais referentes ao aumento das demandas para busca, localização e escavação de vestígios enterrados e associados a cenas de crimes: 1 - em investigações de homicídios domésticos (Hunter, 1994; Cox, 2001; Hunter et al, 1996; Morse et al, 1976; Connor e Scott, 2001); 2 - há 15 anos, em investigações de crimes de guerra, genocídios e homicídios políticos (EAAF, EPAF, Connor e Scott, 2001; Joyce e Sover, 1991; Schmitt, 2002; Wright, 1995); 3 - recentemente, em grandes desastres e cenas associadas a atos de terrorismo (Gould, 2002, 2003). A EAAF foi criada em 1984, com objetivo geral de aplicar as ciências forenses na investigação e documentação das violações aos direitos humanos.
Outra definição considera a Arqueologia Forense como a aplicação de métodos e princípios arqueológicos em contextos forenses; como a aplicação de princípios e técnicas arqueológicas em um contexto médico-legal e/ou um contexto humanitário, envolvendo evidências inumadas (UBELAKER, BLAU, 2009, p. 21 e 22). Dedicando somente dois capítulos à essa disciplina, esses autores preferem se ater a uma Antropologia Forense, investindo em conceitos seminais sobre esta disciplina:

a) Parte da antropologia física que, para propósitos forenses, lida com a identificação de remanescentes mais ou menos esqueletizados, suspeitos ou não de serem humanos. (Stewart, 1979)
b) Um campo multidisciplinar que combina antropologia física, arqueologia e outras áreas da antropologia com as ciências forenses, incluindo a odontologia forense, patologia forense e criminalística (Iscan, 1981, p. 10)
c) Uma subdisciplina da antropologia física que aplica as técnicas da osteologia e biomecânica em problemas medico-legais (Reichs, 1998, p.13)
d) A identificação de remanescentes humanos ou similares para propósitos medico-legais (Black, 2006)
e) A aplicação de conhecimentos e técnicas da antropologia física para problemas de significância médico-legal (Ubelaker, 2006, p.4)
f) A aplicação da antropologia física em contexto forense (Cattaneo, 2007, p. 185).

Essas definições expressam a complexidade da disciplina e a importância dos aspectos legais do trabalho do antropólogo forense para Ubelaker e Blau (2009). Entretanto, uma distinção deve ser feita: os antropólogos e arqueólogos forenses aplicam, respectivamente, os princípios da antropologia biológica e da arqueologia em processos da justiça (Cox, 2009, p. 29). Tanto a antropologia forense quanto a arqueologia forense podem ser aplicadas nos seguintes contextos: 1) em casos de investigação de crimes domésticos pela polícia; 2) em investigações internacionais de crimes de atrocidade; 3) em missões humanitárias relacionadas a crimes de atrocidade; 4) junto ao Ministério da Defesa e em casos de comissões sobre crimes de guerra; 5) em eventos de fatalidade de massa incluindo os antropogênicos (acidentes em transportes de massa ou ataques terroristas) e os desastres naturais; 6) na educação superior e 7) no treinamento profissional para a identificação de vítimas de desastre e crimes de atrocidades. Evidentemente, em ambas as disciplinas aplivcadas nesse contexto, estão incluídas as investigações nos casos de terrorismo de Estado, com conseqüente violação dos Direitos Humanos (Ferlini, 2007).

O caráter multidisciplinar das intervenções em locais com presença de remanescentes humanos se estrutura na relação entre a Arqueologia e da Antropologia forenses, disciplinas distintas (Ferlini, 2007).

4 comentários:

  1. O texto está bom. entretanto já faz parte de um livro chamado Arqueologia, Direito e Democracia, lançado pela Habilis em 2009.

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  2. Existe incompatibilidade, no momento, entre os produtores de saber em arqueologia e antropologia forenses. A bioarqueologia e a antropologia forense se dizem geradores da arqueologia forense, eliminando sua identidade disciplinar e científica.

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  3. Nos EUA e na Inglaterra, a arqueologia em meio forense apresenta características diferentes: no primeiro caso é um ramo auxiliar da antropologia forense e da medicina legal; no segundo, é uma disciplina emergente, relacionada, sim , a antropologia forense e à medicina legal (também à bioarqueologia), entretanto distingue-se quanto à natureza conceitual, teórica e metodológica.

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  4. No Brasil, ainda, não podemos falar em uma arqueologia forense. Dizemos, sim, de uma antropologia forense médico legal e, quando muito , de uma bioarqueologia em meio forense. Não existem, efetivamente, agentes produtores de conhecimento científico capazes de compor uma massa crítica para começar a traçar o estado da arte dessa novíssima disciplina; diferentemente da Argentina, Peru, Guatemala, Venezuela, Chile....

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